domingo, 21 de fevereiro de 2016

Fim de férias: hora de lembrar de não esquecer

O tempo é um conceito escorregadio, medido com exatidão por instrumentos, mas sentido e vivido de forma imprecisa.

Lilia Moritz Schwarcz

sábado, 16 de janeiro de 2016

Museu

Se houvesse
um museu
de momentos
um inventário
de instantes
um monumento
para eventos
que nunca aconteceram
se houvesse
um arquivo
de agoras
um catálogo
de acasos
que guardasse por exemplo
o dia em que te vi atravessar a rua
com teu vestido mais veloz
se houvesse
um acervo
de acidentes
um herbário
de esperas
um zoológico
de ferozes alegrias
se houvesse
um depósito
de detalhes
um álbum
de fotografias
nunca tiradas

Ana Martins Vasques



segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Desejo

Só o desejo não passa
e só deseja o que passa
e passo meu tempo inteiro
enfrentando um só problema:
ao menos no meu poema
agarrar o passageiro

Antônio Cícero

terça-feira, 26 de maio de 2015

Valeu

Vida, valeu.
Não te repetirei jamais.

Antônio Cícero

terça-feira, 12 de agosto de 2014

segunda-feira, 21 de julho de 2014

sábado, 15 de março de 2014

MUDANÇA DE IDADE

Para explicar
os excessos do meu irmão
a minha mãe dizia:
está na mudança de idade.
Na altura,
eu não tinha idade nenhuma
e o tempo era todo meu.
Despontavam borbulhas
no rosto do meu irmão,


eu morria de inveja
enquanto me perguntava:
em que idade a idade muda?
Que vida,
escondida de mim, vivia ele?
Em que adiantada estação
o tempo lhe vinha comer à mão?
Na espera de recompensa,
eu à lua pedia uma outra idade.
Respondiam-me batuques
mas vinham de longe,
de onde já não chega o luar.
Antes de dormirmos
a mãe vinha esticar os lençóis
que era um modo
de beijar o nosso sono.
Meu anjo, não durmas triste, pedia.
E eu não sabia
se era comigo que ela falava.
A tristeza, dizia,
é uma doença envergonhada.
Não aprendas a gostar dessa doença.
As suas palavras
soavam mais longe
que os tambores nocturnos.
O que invejas, falava a mãe, não é a idade.
É a vida
para além do sonho.
Idades mudaram-me,
calaram-se tambores,
na lua se anichou a materna voz.
E eu já nada reclamo.
Agora sei:
apenas o amor nos rouba o tempo.
E ainda hoje
estico os lençóis
antes de adormecer.

MIA COUTO

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Da velhice
sempre invejei
o adormecer
no meio da conversa.

Esse descer de pálpebra
não é nem idade nem cansaço.

Fazer da palavra um embalo
é o mais puro e apurado
senso da poesia.



Mia Couto
No livro Idades/ cidades/ divindades'
Ilustração 

By Patrimonio Designs Limited.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Sol por dentro

Há um sol 
que brilha por dentro.

(Pelos ossos, pelo
sangue, pelos músculos,
pelos nervos.)

Ele arde na carne
ferve na pele,
reverbera em pensamento.

Há um sol 
no fundo do corpo,

lúcido noite adentro.

Marcelo Sandman

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Uma Arte

A arte de perder não é nenhum mistério;
tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério. 


Perca um pouquinho a cada dia.Aceite, austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente. 
A arte de perder não é nenhum mistério. 

Depois perca mais rápido, com mais critério: 
Lugares, nomes, a escala subseqüente

da viagem não feita. Nada disso é sério. 


Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes. 
A arte de perder não é nenhum mistério. 


Perdi duas cidades lindas. E um império 
que era meu, dois rios, e mais um continente. 
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.


– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) 

não muda nada. Pois é evidente 
que a arte de perder não chega a ser mistério 
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.

Elizabeth Bishop

segunda-feira, 13 de maio de 2013


Escrever nem uma coisa
Nem outra -
A fim de dizer todas -
Ou, pelo menos, nenhumas.

Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.

Manoel de Barros
Photo Karo Yuki